Olá meninas, como estão?
Como já havia contato para vocês num post anterior sou apaixonada por
leitura. Um dos meus autores nacionais favoritos desde a adolescência é o Marcelo
Rubens Paiva, autor de livros como Feliz Ano Velho, Malu de bicicleta (ambos
ganharam versão cinematográfica), Blecaute entre outrso que são excepcionais,
vale a pena conferir.
Para quem conhece ou quer conhecer um pouquinho desse autor pode conferir
os textos o blog que ele mantém no estadão.com (blog do Marcelo Rubens Paiva). Um dos posts que mais amo é o dedicado a
garota de São Paulo, que é na verdade o título do post. Quem é de São Paulo vai
amar, quem não é vale a pena conferir, porque vindo do Marcelo, pode ter
certeza que é coisa boa. Então sem mais delongas vamos ao texto:
Existem mais de cem
tons de cores. Mas prefere o preto.
Cítricas?
Só quando vai à praia.
E costuma cobrir suas pernas esticadas, finas, com meias pretas.
Usa botas. Não existe mulher que se veste melhor do que as paulistas. E
que saiba qual bota escolher e como andar sobre elas.
Sabe o equilíbrio entre o moderno e o convencional. Senso estético
apurado. Dona do seu próprio estilo.
A paulista não anda, caminha apressada. Vem e passa. Sem balanço. Sem
mar para ir atrás. Moça do corpo pálido. Saturado pela pressa. Beleza que passa
sozinha.
Não faz questão de chamar atenção.
Nem tanta questão de ser gostosa, mas magra.
Sempre de dieta.
Sempre em guerra contra a balança.
Malha para se afunilar. Intensamente, pois sabe que a gastronomia da
cidade é uma tentação. Massas, pizzas, doces, sorvetes, doces, nhá benta,
tesão…
Academia?
Prefere pilates, que estica até o limite das juntas, quase rasga em
duas.
E corre, se quer emagrecer urgentemente.
Olhando o chão, pois já tomou muitos tombos por causa das calçadas
irregulares da cidade, uma anarquia de desníveis, pedras, buracos, pisos sem um
padrão seguro para o seu caminhar apressado de botas, meias e pernas finas.
Rebolar?
Fora de questão.
Olha para o chão e se lembra do que esqueceu, do quanto falta, do que
faz falta, do que está errado.
A garota de São Paulo é perfeccionista, gosta de estar ajustada, como as
engrenagens de uma indústria. Quer a precisão da esteira de uma linha de
montagem.
Passa e olha para o chão, pois pensa nas atividades, nos prazos
atrasados, nos compromissos da semana, na agenda do mês.
A garota de São Paulo leva uma vida saudável. Procura comer verduras sem
agrotóxico.
Leite?
Desnatado.
Carne vermelha?
Eventualmente.
Carboidrato à noite?
Nem pensar.
O pão tem que ser integral. Linhaça e aveia no café da manhã? Obrigação.
Café descafeinado. Chás. Queijos brancos, magros.
Nada industrializado, a não ser a caixa de Bis, que detona algumas vezes
em certos períodos, que por vezes tem o intervalo longo, mas quando se torna um
vício, chora, porque algo deu errado, desembrulha e engole cada Bis, como se
nele a explicação das incoerências.
Recicla o lixo.
Toma remédios para dormir. Toma excitantes para acordar. E aguentar a
jornada.
Ela é ambiciosa, trabalha demais, em mais de um emprego, pensa em dez
coisas ao mesmo tempo, procura conciliar a organização do lar com a de fora
dele.
Ama e odeia o chefe.
Ama e odeia o trabalho.
Sabe que ele dá a independência para ser a moça que quiser, mas também
tira o tempo de ser a moça que queria ser.
Metade dela sofre o descarte para a outra parte florescer.
Adora elogios.
Odeia galanteios.
Adora presentes.
Detesta insistentes.
Quer ser cortejada.
Jamais abusada.
Sorri quando assopram um elogio. Fecha a cara quando ultrapassam o
limite da sua intimidade. Preserva a privacidade.
Algumas querem ser chefe. Chefiar garotos de São Paulo. O que só dispara
seu conflito maior, o de agregar. Terá que dar ordens, broncas, demitir,
exigir, estipular metas, cobrar eficiência. E depois sozinha em casa chora no
escuro ao som de Billie Holiday. Se sente pressionada, e ela não sabe por quê.
A vida não faz sentido, e ela não sabe por quê.
Chora em comerciais da TV, cerimônias de casamento, em maternidades,
quando visita as amigas, no farol, quando uma criança vende bala.
A garota de São Paulo dirige bem. O problema é que se maquia enquanto
fala no celular e ultrapassa um busão articulado, aproveitando a brecha entre
ele e uma betoneira lotada de concreto. E se esconde no anonimato do insufilm,
muda a música do MP3 e, dependendo dela, canta sozinha em voz alta, para não
ouvir impropérios.
Faz tanta coisa ao mesmo tempo…
Dirige bem, mas é dispersa. Pensa em vinte coisas em dez segundos. Nunca
chega a uma conclusão.
Liga para a mãe semanalmente. Troca poucas palavras com o pai.
Detesta a esposa do irmão. E ama as amigas. Com quem viaja para a praia, para
não ficarem um segundo em silêncio. Se o tempo não dá chances, prefere uma
tarde na piscina do condomínio com as amigas do que encarar o parque lotado.
Se irrita com homens que falam de dinheiro. Se irrita com homens que
contam vantagens no trabalho. Se irrita com homens grudentos, esnobes, arrumadinhos,
fúteis, incultos, mal educados.
Gosta de homem interessante.
É assim que ela seleciona: os interessantes e os não.
O que é um homem interessante?
Nem se gravar o papo de seis horas na piscina com as amigas consegue-se
descobrir.
Tem que ser aquele que chega e não dá bola. Mas que a repara bem antes
de ir embora. Que olha como se ela fosse a mais fosforescente das mulheres. E
que desse um jeito a todo custo de trocar meia dúzia de palavras e, claro,
criar laços e conexões.
Mas se nada der certo, garotos, não esquentem a cabeça. A mulher de São
Paulo sabe seduzir. Sabe olhar e demonstrar. Sabe chamar atenção e indicar que
você foi o escolhido. Sabe sorrir, ser paciente com a sua demora, ouvir
atentamente os seus devaneios e engasgos. E, quando parece tudo estar perdido,
sabe dizer a hora de ir embora, como e sugerir na casa de quem.
A garota de São Paulo não enrola.
Quando não quer, deixa claro.
Quando quer, faz de tudo para acontecer.
E não tem o menor pudor de ir para a casa com você na primeira noite,
preparar o café da manhã da primeira manhã, que logo, logo, ambos saberão se
vai se repetir ou ser o único.
Pode deixar. Andando de volta para casa, com suas meias pretas e botas,
olhando para o chão, ela pensará em você.
Tudo isso é uma generalização literária. Mas me dá licença, poeta, para
uma licença poética, homenageando sem pedir licença a graça pragmática da
mulher paulista.
O que acharam?
xoxo
Aline Machado
@line_nmachado
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